Após os abalos, muita gente fugiu para o Terreiro do Paço e para as margens do Tejo, a caminho do mar, onde não existiam edifícios. Mas os capitães dos muitos navios, situados ao largo, sentiram o movimento violento das águas: a cerca de 250 km da costa, o terramoto deslocara biliões de litros de água, criando um tsunami que atingiria Lisboa volta das 11 da manhã. A Torre do Bugio, na foz do rio Tejo, foi das primeiras construções a sofrer os efeitos do tsunami. Uma guarnição de soldados, lá encurralada, disparou vários tiros a pedir ajuda e só escapou às águas ameaçadoras por se ter refugiado no ponto mais alto. Nessa altura, a maioria dos testemunhos refere a retirada do mar, o que permitiu ver o fundo até um ponto pouco habitual. Depois, surgiu o encapelamento das águas, entrando a onda pela cidade e submergindo muitas povoações marítimas. Os testemunhos falam das âncoras despedaçadas e atiradas à superfície e das amarras quebradas. Muitos marinheiros descrevem como os navios ficaram em seco e depois novamente a flutuar.
A massa de água transformou-se numa onda que atingiu cerca de cinco metros de altura. Ninguém estava à espera de outra catástrofe, as pessoas foram apanhadas de surpresa. Não tinham onde se esconder, onde encontrar refúgio. As águas entraram por ruas e praças, arrastando madeiras, pedras e tudo quanto o mar encontrava pelo caminho.
Uma testemunha refere que o rio, visto da praça, se ergueu como uma montanha de água. O capitão de um navio, a uns 300 metros da costa, disse ter medido a subida do rio em cerca de 6 metros.
Seguiram-se outras ondas, num fluxo e refluxo de água que fez com que o pânico alastrasse nas zonas mais baixas da cidade. As ondas destruíram tudo pelo caminho, arrastando pessoas e esmagando barcos e molhes contra edifícios.
Muitas embarcações que se encontravam a seco foram levadas novamente rio abaixo, segundo uma testemunha, nada restava no Arsenal ou na Ribeira e a madeira que não for a levada pelo mar, ficou atulhada pelas ruas, tornando a cidade intransitável.
O Cais da Pedra, uma fabulosa e gigantesca construção, situada entre o cais do Terreiro do Paço e a fortificação na parte oriental da praça, desapareceu, provavelmente afundado nos lodos instáveis, com a multidão de gente que se refugiara nesse cais feito de mármore, julgando-se ali a salvo. Também inúmeros barcos repletos de gente, que procurara no rio a fuga para a instabilidade da terra, foram engolidos pela oscilação do mar. Muitos barcos foram arrastados para a outra margem do rio Tejo.
Apesar da fuga imediata de quem se encontrava nas margens e no Terreiro do Paço, muitos foram levados pela força da água e os que resistiram ficaram com água pela cintura a uma boa distância da margem, na zona de S. Paulo.
O tsunami destruiu muitos dos edifícios já fragilizados e matou muitos dos que tinham sobrevivido ao terramoto. É impossível dizer ao certo quantos terão morrido devido ao tsunami, mas estima-se que tenham sido à volta de 900, as vítimas provocadas pela onda que avançou terra adentro cerca de 250 metros. Enquanto a água recuava e se tornava visível a extensão dos estragos, as chamas continuaram a lavrar, alimentadas agora pelas toneladas de destroços deixadas para trás pelo tsunami.
Ainda não há consenso quanto à falha, ou conjunto de falhas, que terá originado o terramoto e tsunami de 1755. Caso tenha sido uma única falha, terá de ter sido enorme, pelo menos com 100 km de comprimento e 50 km de largura. Mas também é possível que tenham sido duas ou mais falhas grandes a romper em sequência. Dados históricos sobre o tsunami sugerem que tais falhas deveriam ter, quando combinadas, cerca de 200 km de comprimento e 80 km de largura.
Essas falhas terão afetado o fundo do oceano, fazendo-o subir, estima-se, cerca de 20 m de altura, e provocando assim um tsunami transoceânico. O impacto maior foi em Portugal e em Marrocos, afetando também o Sul de Espanha. No caso de Portugal Continental, as ondas do tsunami terão chegado aos 10 a 15 m na zona de Sagres e em Lisboa estima-se que tenham chegado aos 5 m de altura. As diferentes alturas que foram observadas em pontos distantes do globo, mas também em regiões mais contíguas, justificam-se pela velocidade a que as ondas de um tsunami viajam e pelas características que o solo apresenta em cada zona. A estimativa da chegada ao Farol do Bugio, ao largo de Paço d'Arcos, é de 30 minutos após o terramoto. No caso de Lisboa, como a profundidade da água ao largo é bastante mais reduzida, as ondas propagaram-se muito mais lentamente, estimando-se assim que tenham demorado entre 60 a 90 minutos a chegar a terra.
Nesta projeção feita com base em relatos históricos podemos ver a penetração do tsunami na parte baixa da cidade de Lisboa. A água terá avançado 250 a 350 metros na área do Terreiro do Paço, aproximadamente onde está hoje o Arco da Rua Augusta. Para além das mortes, a inundação causou estragos materiais catastróficos, pois a maior parte das mercadorias que chegavam por mar estavam guardadas em armazéns e estaleiros navais à beira-rio.
Gravura que retrata o terramoto, tsunami e incêndio de Lisboa, onde se reconhece o torreão do Palácio Real, em queda aparatosa. Os horrores do acontecimento viajaram pelo mundo, através de cartas, gravuras e artigos publicados em gazetas, incendiando de forma duradoura a imaginação das pessoas. Mesmo 100 anos mais tarde voltamos a encontrar o terramoto em obras poéticas como 'The Deacon's Masterpiece', de Sir Oliver Wendell Holmes, publicado em Nova Iorque em 1857 que conta a história de uma carruagem feita no dia do terramoto:
“That was the year when Lisbon-town
Saw the earth open and gulp her down,”
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BIBLIOGRAFIA
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Bento MORGANTI (José Acursio de Tavares), Carta de hum amigo para outro, em que se dá succinta noticia dos effeitosdo Terremoto, succedido em o Primeiro de Novembro de 1755. Com alguns principios Fisicos para se conhecer a origem, e causa natural de similhantes Phenómenos terrestres, Lisboa, Oficina de Domingos Rodrigues, 1756.
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Historia universal dos terremotos, que tem havido no mundo, de que ha noticia, desde a sua creaçaõ até o seculo presente. : Com huma narraçam individual do terremoto do primeiro de novembro de 1755., e noticia verdadeira dos seus effeitos em Lisboa, todo Portugal, Algarves, e mais partes da Europa, Africa, e América, aonde se estendeu: e huma dissertaçaõ phisica sobre as causas geraes dos terremotos, seus effeitos, differenças, e prognosticos; e as particulares do ultimo. : Mendonça, Joachim José Moreira de : Free Download, Borrow, and Streaming : Internet Archive
Miguel Tibério PEDEGACHE (Ivo Brandão), Nova e fiel relação do terremoto que experimentou Lisboa, e todo Portugal No 1. de Novembro de 1755. Com algumas Observaçoens Curiosas, e a explicação das suas causas, Oficina de Manoel Soares, Lisboa, 1756 (1756) M. T. Pedegache – Nova e fiel relação do terremoto que experimentou Lisboa | Éditions Ismael (editions-ismael.com)
José de Oliveira Trovão e Sousa, Carta em que hum amigo dá notícia a outro do lamentável sucesso de Lisboa, sem local nem data de edição mas dada como escrita em 20 de Dezembro de 1755, Coimbra, 1755 Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin: Carta em que hum amigo da noticia a outro do lamentavel sucesso de Lisboa (usp.br)
Rui TAVARES, O Pequeno Livro do Grande Terramoto, Tinta da China, 2009.