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Lisboa de 1755, uma cidade de contrastes

Lisboa era uma cidade de contrastes. Lado a lado, viviam ricos e pobres, em extremos de opulência e de miséria. Centenas de mendigos vagueavam pelas ruas imundas e aguardavam diante de mosteiros e conventos por comida e abrigo. No século XVIII, os pobres em Portugal dependiam da caridade, recebendo apoio sobretudo da Igreja Católica. Também era comum os aristocratas terem os “seus” pobres, a quem davam esmola e prestavam assistência regularmente.  

Mercadores e marinheiros de todas as patentes misturavam-se nas ruas com as muitas mulheres africanas que vendiam milho, arroz e toucinho cozido.  

Um grande número de artesãos podia enriquecer com ofícios, hoje considerados modestos, pasteleiros, confeiteiros, ferreiros e padeiros. Os maiores contrates surgiam em profissões associadas ao consumo de luxo, ourives, cabeleireiro e mestres de cabeleiras, alfaiates, podendo tornar-se muito ricos e influentes, consoante a sua clientela. No caso dos géneros alimentares, pão, carne e vinho, o abastecimento permitia também a concentração de grandes negócios, o que gerava conflitos com a Câmara de Lisboa. Por outro lado, os aprendizes das profissões podiam por vezes pertencer a famílias muito pobres e serem colocados, quase num regime de semi-escravatura, a aprender o ofício de sapateiro, tanoeiro ou cordoeiro. A multidão de criados, de senhores aristocratas, de capitães e até de frades, vivia muitas vezes em enorme dependência, abrigados na casa do patrão, significando a expulsão do trabalho a queda na miséria. O caso mais insólito era o dos soldados. Ganhavam o soldo, sobretudo no tempo de guerra, por vezes pago em alimento, mas em geral viviam com muito pouco, recebendo com atraso os seus salários e permanecendo meses e por vezes anos, sem receber. Os relatos dos solados esfarrapados e miseráveis, por vezes oficiais, engrossando o crime e pedindo esmola tornaram-se uma das marcas de Lisboa de meados do século XVIII, sendo o assunto muito discutido pelas autoridades. 

Existia ainda uma multidão de gente ligada aos ofícios do mar, desde ajudantes de pescadores, remadores, marinheiros e carregadores, até vendedoras de peixe frito ou sardinheiras, vivendo do trabalho diário e pouco especializado. 

Muitos destes trabalhos eram feitos por escravizados, habitando a região mais desprotegida da sociedade. Esses escravizados eram também alugados pelos seus senhores para trabalhos à jorna, embora alguns ganhassem algum dinheiro como artistas, cantores e tocadores de viola ou caiadores de casas, Era também o caso das negras, que levavam os cestos de detritos para os aterros. Mesmo depois de libertos, muitos dos escravizados continuavam a desempenhar estes trabalhos. 

Com cerca de 200 000 habitantes, Lisboa seria a 4ª maior cidade da Europa e embora os viajantes a considerassem imunda, repleta de cães vadios e animais de grande porte, a riqueza dos palácios e igrejas impressionava os estrangeiros. Fossem os cibórios de ouro da Igreja Patriarcal, os cofres da Casa da Índia, as joias da Igreja de S. Roque, ou o interior das igrejas, onde faiscavam os diamantes encrustados em toalhas, cortinas e paramentos, as alfaias eram forjadas em metais preciosos e os altares revestidos a ouro. O exemplo mais extremo era a famosa Igreja Patriarcal, com a sua legião de músicos e cantores. O cardeal patriarca circulava pelas ruas de coche com as suas dezenas de criados, com calções largos, cabeleira e vestes encarnadas, bordadas a ouro, imitando o séquito do Papa. As paredes dos palácios podiam conter os mais raros tesouros, como a casa do Duque de Lafões, onde havia quadros de Ticiano, Veronese e Rubens. Nesses palácios, em dias de festa, a comida era servida em magníficas baixelas de prata por batalhões de criados ricamente vestidos. As senhoras abastadas vestiam-se à moda francesa, com os ombros envoltos em xailes orientais. No Paço da Ribeira – onde vivia o rei – havia tapeçarias da Flandres, tetos pintados por mestres italianos e porcelanas chinesas, uma biblioteca vasta - cerca de 70.000 volumes, e todos os objetos raros e preciosos acumulados por séculos de presentes diplomáticos.  

Praça do Rossio (detalhe), pintura por autor anónimo, baseada numa gravura de Zuzarte de 1787 - coleção privada.

Pintura com vários pormenores interessantes: um cortejo fúnebre, algo pouco comum de ser ver representado no Rossio, e um homem pendurado pelos braços num poste. Pendurado e não enforcado, o que nos faz pensar num castigo ou humilhação pública. Esta cena lembra-nos que na mesma praça se encontrava a sede da Inquisição, com o seu tribunal e cárcere, e que aqui também se realizavam autos-de-fé. Por detrás, a fachada manuelina ricamente elaborada do Hospital-de-Todos-os-Santos.

Mercado da Ribeira Velha, painel de azulejos, Colecção do Museu de Lisboa /Câmara Municipal de Lisboa - EGEAC

Neste painel de azulejo barroco podemos ver o mercado da Ribeira Velha de Lisboa. Era aqui que antes do terramoto, os lisboetas compravam o seu peixe, hortaliça e fruta. Repare onde chegavam as águas do rio, nas embarcações atracadas, nos pescadores carregando cestos. Repare nas mulheres que vendem, e numa figura mais distinta, um mercador rico, talvez. Das casas em volta, quase todas com alpendres e lojas, realça-se a Casa dos Bicos, pela sua fachada particular.

LOCAIS A VISITAR

BIBLIOGRAFIA

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Vitorino Magalhães GODINHO, Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa, Edições Setenta, 2019.

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Maria Beatriz Nizza da SILVA, Ser nobre na colónia, Editora UNESP, 2005

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