Partilhar
Em finais do século XVII, a descoberta de jazidas de ouro no Brasil levou a uma corrida a esse metal precioso que ajudaria a resolver o défice comercial de Portugal, mas que agravaria, a longo prazo, a pobreza relativa do reino. Foi uma verdadeira “febre do ouro”: no início da exploração mineira no século XVIII chegaram a ser retiradas dos ribeiros, pepitas com mais de 2 quilos e 700 gramas. Numa torrente de barras e moedas, o ouro do Brasil chegava a Lisboa, o que permitia comprar roupas francesas, mobiliário faustoso do Oriente e sumptuosos fogos de artifício exibidos em festas mundanas, para além de financiar a construção de monumentos majestosos, como a famosa Ópera do Tejo, onde havia camarotes luxuosos e até uma porta para introduzir cavalos em palco, ou a sumptuosa Igreja Patriarcal, com a sua legião de músicos e cantores.
Lisboa impressionava estrangeiros e viajantes pela quantidade de ouro utilizada para decorar palácios, igrejas e até coches. Os carregamentos de ouro extraído no Brasil e transportado de barco para o porto de Lisboa eram vigiados de perto pelas tropas do rei — um aviso claro para quem quer que planeasse contrabandear o precioso metal.
Contudo, uma quantidade significativa de ouro era contrabandeada para fora do território e enviada para Inglaterra, o que provocou uma grande tensão diplomática entre os dois países. Contrabandistas como os famigerados Fernando Wingfield e Duarte Roberts estavam sempre a arranjar formas novas e criativas de transportar o ouro por mar. O seu modus operandi era tão descarado, que provocou um escândalo internacional. Foram presos, tiveram os seus bens apreendidos e enfrentaram uma sentença de morte. No entanto, ambos foram perdoados, autorizados a regressar, e os seus bens foram-lhes devolvidos.
Era comum possuir objetos oriundos da Índia e da China — porcelanas, sedas e mobiliário feito com madeiras nobres. Contudo, o verdadeiro luxo estava nos produtos europeus, como as baixelas de prata e as roupas francesas ou as pinturas italianas e holandesas que cobriam as paredes de muitos palácios. Naturalmente, este consumo fácil dos produtos fabricados fora do reino, iria contribuir para enfraquecer ainda mais a já débil indústria do reino de Portugal.
O açúcar era na época outro produto bastante valioso. Os caixotes de açúcar armazenados na Casa da Alfândega eram tantos, que tiveram de arranjar outro local para os guardar. Por fim, optaram pelas cavalariças de um dos maiores palácios de Lisboa à beira-rio, o Palácio Corte Real. Este palácio, o Palácio Corte Real, foi um dos cerca de 50 palácios da cidade que desapareceram, destruídos pelo terramoto ou seriamente danificados pelo incêndio.
Apesar dos fidalgos portugueses não serem particularmente ricos, em comparação com a nobreza do norte da Europa, os palácios de Lisboa eram considerados magníficos, construídos em cantaria (espécie de mármore) e muito elogiados pelos viajantes. Estavam ricamente mobiliados, assistidos por numerosos criados (no caso dos palácios dos duques e marqueses passavam normalmente as 50 pessoas), muitas carruagens e ainda maior número de cavalos. Os mais ricos tinham espelhos ingleses decorados a prata, tapeçarias da Flandres, alcatifas da Pérsia e da China, mobília japonesa, potes chineses, louça indiana, cadeiras almofadadas a veludo, cortinados de damasco com bordados a ouro, oratórios e muita pintura italiana.
Os jardins, sobretudo nos palácios situados no limite da cidade, podiam ser impressionantes, autênticas cercas de conventos, com bosques, passeios lajeados, painéis de azulejos, varandas de mármore, jardins de vários tabuleiros, com colunatas de pedra e até lagos com peixes de várias espécies. Nestes jardins ocorriam as famosas festas, chegando a ser usadas mais de 8 000 luzes e muitos fogos-de-artifício.
Após o terremoto, muitos destes palácios soberbos não voltaram a ser reedificados, talvez a única ausência digna de registo que os viajantes encontrariam na nova cidade reconstruída. Entre os palácios mais lamentados contam-se os dos Condes da Ericeira, dotado de uma vasta biblioteca. Dos cerca de 80 palácios de nobres e titulados de Lisboa, quase dois terços desapareceram para sempre.
Quando havia uma visita oficial de grande importância, era costume organizar um cortejo no Terreiro do Paco, com ofertas de prendas luxuosas, armas ornamentadas, vestuário e dinheiro. Nesta pintura vemos 12 carruagens e liteiras, transportando nobres etitulares do reino, para aprimeira audiência, concedida por D. Pedro II a MonsenhorGiorgio Cornaro,representante do Papa. A quarta, é a carruagem do rei, enviada para ir buscar o Núncio, e conduzida pelo marquês de Alegrete.
Carro triunfal, fazia parte dum conjunto de coches que integraram o cortejo da Embaixada ao Papa Clemente XI, enviada a Roma pelo rei D. João V em 1716. Repleto de figuras alegóricas em talha dourada, representa um dos feitos marítimos dos portugueses: a descoberta da passagem do Oceano Atlântico para o Oceano Índico.
Em 1747 a Igreja de São Roque seria honrada com o monumento que D. João V mandara desenhar e executar em Itália: a Capela de São João Batista. A capela veio desmontada em três naus, não sem antes ter sido abençoada pelo Papa, que nela celebrou missa. No seu revestimento encontram-se diversos tipos de mármore: lápis-lazúli, ágata, verde antigo, alabastro, mármore de Carrara, ametista, pórfido roxo, branco-negro de França, brecha antigo, diásporo, jalde e outros.
“A dobra era um objeto artístico. D. João V fez-se representar nesta moeda como um soberano absoluto. O rosto evidencia firmeza e convicção, a cabeça mostra cabelos longos com cachos sobre os ombros e uma coroa de louros. As vestes são próprias de um ambiente de corte.
A outra face da moeda mostra as armas do reino de Portugal. Acima do escudo vê-se a coroa do rei, ornamentada com pérolas, pedras preciosas e folhas de ouro. No topo, a cruz lembra-nos que D. João V é rei por graça de Deus. O desenho dessas armas é de influência italiana e mostra bem o aparato da corte portuguesa.
No século XVIII, a moeda de ouro era um importante meio de propaganda ao serviço da política e da diplomacia. Não é de se admirar que peças como esta tenham circulado dentro e fora das fronteiras do reino.”
As moedas invadiram os mercados das cidades inglesas e estimularam o raciocínio económico de grandes filósofos, como David Hume e Adam Smith.
“Com a emissão da dobra de 24 escudos, Portugal passou a dispor de uma moeda de grande prestígio, e D. João V afirmou-se como um monarca absoluto, verdadeira projeção da majestade divina.”
Fonte: PLÍNIO PIERRY, jun. 2019
https://collectprime.com/blog/a-dobra-de-24-escudos-de-d-joao-v/
A Igreja da Madre de Deus, em Xabregas, Lisboa, integra o antigo Convento do mesmo nome, que hoje alberga o Museu Nacional do Azulejo. Embora de estrutura maneirista (séc. XVI), a sua decoração harmoniosa é claramente barroca: talha dourada, pintura e azulejos de fabrico holandês, colocados em 1698.
LOCAIS A VISITAR
- Igreja de S. Roque, LisboaExplore
- Capelas da Igreja de S. Roque, LisboaExplore
- “A Encomenda Prodigiosa”Explore
- ParamentosExplore
- Museu Nacional dos Coches, LisboaExplore
- Museu Casa da Moeda, LisboaExplore
- Museu do Azulejo, LisboaExplore
- Igreja dos Paulistas (Igreja dos Eremitas de S. Paulo), LisboaExplore
- Igreja do Menino Deus, LisboaExplore
- Igreja do Convento de S. Francisco em S. Salvador, Baía, BrasilExplore
- Capela de São Joao Baptista, LisboaExplore
- Igreja da Madre de Deus, LisboaExplore
- Igrejas Barrocas, LisboaExplore
CONTINUAR A EXPLORAR
BIBLIOGRAFIA
José Jobson Andrade de ARRUDA, «Frotas de 1749: um balanço», Varia Historia, Vol. 15, n. 21, 1999.
Ayres de CARVALHO, D. João V e a Arte do seu tempo, Lisboa, 1960-62
Leonor Freire COSTA, Maria Manuela ROCHA, Rita Martins SOUSA, O Ouro do Brasil, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2013.
Leonor Freire COSTA, Pedro LAINS, Susana Münch Miranda, An Economic History of Portugal, 1143–2010, Cambridge University Press, 2016.
Suzanne CHANTAL, A Vida Quotidiana em Portugal ao Tempo do Terramoto, Livros do Brasil, s/d.
Adélia Maria Caldas CARREIRA, Lisboa de 1731 a 1833: da desordem à ordem no espaço urbano, Tese de Doutoramento apresentada ao Departamento de História da Arte da Universidade Nova de Lisboa, 2012.
Angela DELAFORCE, The Lost Library of the King of Portugal, Ad Ilissum, 2019.
Christopher EBERT, «From Gold to Manioc: Contraband Trade in Brazil during the Golden Age, 1700–1750», Colonial Latin American Review, vol. 20, nº 1, 2011, pp. 109-130.
Luís de Bivar GUERRA, Inventário e sequestro da casa de Aveiro em 1759, Lisboa, Edições do Arquivo do Tribunal de Contas, 1952.
James G. LYDON, Fish and Flour for Gold, 1600-1800: Southern Europe in the Colonial Balance of Payments, Library Company of Philadelphia, 2008.
Joaquim Romero MAGALHÃES, «A cobrança do ouro do rei nas Minas Gerais: o fim da capitação – 1741-1750», Tempo, vol. 14, nº 27, 2009.
Nuno Gonçalo MONTEIRO, O crepúsculo dos Grandes (1750-1832), Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1998.
João Castel-Branco PEREIRA, «Tronos Rolantes da Monarquia Portuguesa», Oceanos, nº 3, Lisboa, 1990, pp.121-122.
Gustavo de Matos SEQUEIRA, Depois do Terramoto, Subsídios para a História dos Bairros Ocidentais de Lisboa, 4 volumes, 1916-1934.
D. Antonio Caetano de SOUSA, História genealogica da casa real portugueza, Tomo VIII, Na Regia Officina Sylviana e da Academia Real, Lisboa, 1746.
A. J. R. RUSSEL-WOOD, «The Gold Cycle, c. 1690-1750», Colonial Brazil, Bethel, Leslie (ed.), Cambridge University Press, 1987, pp. 190-243.